Discípulos

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Seu Lucas I


Naquele tempo não havia porto seguro em Valença, mesmo a da Bahia. Os discípulos reuniam-se no lar do profeta, em sigilo, para praticar os rituais. O silêncio adormecia as fendas da alma e a inércia lutava, ainda sóbria, contra o desconforto, já trôpego de paz.
Ao ser anunciado o iniciar dos rituais, o discípulo encarregado da preparação da matéria divina se recolhia a seus aposentos e iniciava seu processo sigiloso e demorado, no qual interrompia várias vezes a tarefa ao falar de assuntos sem importância.
Terminada a tarefa, nos reuníamos em torno da Mesa Liberta (uma mesa pura, que pela ausência de pecados, não recebia  fardo de carregar peso algum) para consumir o ritual.
Assim que as chamas vaporizavam a erva sagrada, o ambiente enchia-se de um aroma sutil, visível por sua significância e natureza, e apreciável pelo prazer por ele antecipado. A fumaça infiltrava o oxigênio local, purificando-o. O silêncio cortado apenas pelos suspiros cortantes e tossidas discretas proferidas em homenagem à Deusa.
Quando as pétalas do Éden acariciavam nossos nervos, a Profecia Contínua resumia seu processo de formação nas mandíbulas fumegantes dos praticantes, e suas boas novas vinham acompanhadas de risos e júbilo, pois entendia-se que vivemos o Paraíso, presente dado ao Nascimento pela Deusa, nele conservávamos nossos jardins tão bem quanto quiséssemos, e nos alegrávamos, pois embora nosso tempo fosse curto, nossos jardins eram lindos.
Ao atingirmos o clímax da eufórica visão divina, o pastor pronunciava o decreto sagrado:
-É nessa hora que o padre diz na missa: Eis o mistério da fé!
E então nos sentíamos gratificados pelo cumprimento de mais uma missão, e nos enchíamos de confiança para a próxima vez.

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