Discípulos

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Seu Lucas I


Naquele tempo não havia porto seguro em Valença, mesmo a da Bahia. Os discípulos reuniam-se no lar do profeta, em sigilo, para praticar os rituais. O silêncio adormecia as fendas da alma e a inércia lutava, ainda sóbria, contra o desconforto, já trôpego de paz.
Ao ser anunciado o iniciar dos rituais, o discípulo encarregado da preparação da matéria divina se recolhia a seus aposentos e iniciava seu processo sigiloso e demorado, no qual interrompia várias vezes a tarefa ao falar de assuntos sem importância.
Terminada a tarefa, nos reuníamos em torno da Mesa Liberta (uma mesa pura, que pela ausência de pecados, não recebia  fardo de carregar peso algum) para consumir o ritual.
Assim que as chamas vaporizavam a erva sagrada, o ambiente enchia-se de um aroma sutil, visível por sua significância e natureza, e apreciável pelo prazer por ele antecipado. A fumaça infiltrava o oxigênio local, purificando-o. O silêncio cortado apenas pelos suspiros cortantes e tossidas discretas proferidas em homenagem à Deusa.
Quando as pétalas do Éden acariciavam nossos nervos, a Profecia Contínua resumia seu processo de formação nas mandíbulas fumegantes dos praticantes, e suas boas novas vinham acompanhadas de risos e júbilo, pois entendia-se que vivemos o Paraíso, presente dado ao Nascimento pela Deusa, nele conservávamos nossos jardins tão bem quanto quiséssemos, e nos alegrávamos, pois embora nosso tempo fosse curto, nossos jardins eram lindos.
Ao atingirmos o clímax da eufórica visão divina, o pastor pronunciava o decreto sagrado:
-É nessa hora que o padre diz na missa: Eis o mistério da fé!
E então nos sentíamos gratificados pelo cumprimento de mais uma missão, e nos enchíamos de confiança para a próxima vez.

domingo, 24 de outubro de 2010

O Transeunte

O texto abaixo fala sobre um de nossos apóstolos mais ativos, porém estigmatizado pela sua ambiguidade moral, confiram:

O Transeunte

Era de costume a confiança. Era de costumes e atrasos. O grupo sempre permaneceu unido, mas as amarras eram delicadas devido à amnésia. Nossa necessidade de evitar conflitos e nossa complacência, talvez regional, fez-nos adaptarmo-nos ao convívio dos mais divergentes tipos de comportamento.

Livres da preocupação alheia estabelecida ora por laços sociais, ora por interesses individuais, éramos tolerantes a tudo desde que se estabelecesse uma relação de convívio amigável no processo ritualístico.

Ele era nossa falta de motivo. A resina que sai do excesso eufórico promovido pelos rituais. A culpa de laços outrora quebrados, esquecidos de propósito, afim de superar da maneira mais inovadora todas as inseguranças e insatisfações de uma geração inteira.

Porém até aqui não se tem um resumo. Há aqui o verdadeiro porém, adornado por rostos surpresos, gestos bruscos e olhares rápidos e furtivos.

Em suas horas de necessidade ou frustração ele já não era mais apóstolo. Já não era mais conhecido. Era um transeunte, completamente incógnito, desconexo da realidade que tentávamos construir na nossa inocente idealização do moral e do solidário. Revelava-se a astúcia sob desvios de olhar, peneirando exclamações de insatisfações não constatadas. Fomos ao Paraíso Inconcebível para esconder o podre do cotidiano.

Aquele era um tempo de começos. Fluíam as ideias, as vontades. O otimismo proporcional à estagnação individual. Uma era de falhas e lições ignoradas. Era de costume a confiança. Uma era de costumes e atrasos.

sábado, 23 de outubro de 2010

Intro-Indução

Há quem diga que maconheiro é preguiçoso. Há também quem diga que quem fuma maconha tem as melhores idéias, insights, inspirações. Mas é impossível materializá-las. A preguiça é maior e depois eles esquecem tudo o que pensaram sob o efeito da dita erva.
Maconheiro de verdade tem um profundo respeito sobre a erva e seus efeitos. Chega a ter práticas rituais. Tal como uma religião.
Daí surgiu a idéia, que se não, das melhores, pelo menos, original e inovadora. Escrever o ervangelho – o livro sagrado de todo maconheiro, que seria escrito coletivamente, a cada momento que alguma roda se formasse.
De minha parte, assumo a responsabilidade de organizá-lo. Postar e catalogar aqui os inúmeros fragmentos, páginas desta obra que está sendo escrita.
Mais uma vez, a questão posta por Aristóteles volta à baila: “A vida imita a arte”. E esta é uma das características da obra que está sendo escrita. Os limites entre ficção e realidade se confundem, entrelaçam-se e perdem-se na fumaça.